sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Obrigado, Doutor!



       
      18 de outubro, dia do médico. E, a contra gosto,  Ernesto Pereira fora dispensado da sua diligência diária. Como se fosse dia 1 maio, outorgaram-lhe folga para que tomasse, enfim, merecido descanso. Precisava estar muito bem apresentável, alegou o diretor médico do hospital, afinal tinha homenagem a receber esta noite na nobre Associação Médica. Seria esse, aliás, evento muito pomposo, sem economias de comes, de bebes e, claro, de bajulação. Já esperando por isso, Ernesto relutava em comparecer, muito humilde que era. Mas tanto insistiram os presidentes da instituição, dizendo da importância da data, sobretudo num tempo de desprestígio da figura médica, que o clínico acabou por ceder aos caprichos. Passara, então, o dia todo inquieto, sem saber o que fazer sem pacientes que cuidar; os quais, por sua vez, estranhando a ausência do bom doutor, que sempre lhes dedicava um dedo de prosa cotidiano, tiveram tempo para atinar, ora, que aquele dia era dia do médico. Dona Maria de Lourdes, muito espirituosa que era, se apressou em dizer, assim, que tal dia não podia passar em branco, e convocou a ala leste a preparar alguma coisinha para o querido Doutor Ernesto Pereira, que, se não pôde vir pela manhã, certamente lhes visitaria a noite. Mas, à noite, estava seu Ernesto na Associação Médica, deslocado como um quadril em Ortolani positivo, numa festa glamorosa que não  lhe combinava. Tanto que, numa roda de conversa, em que jovens médicos gabavam a modernidade dos métodos complementares, Ernesto muito desgostoso arrumara jeito de escapulir, deixando os colegas  enganados nas suas conversas tecnológicas. Saíra à francesa e, com um aperto no coração, pela ausência injustificada para com seus doentes, recobrou sua vontade e, sim, voltara ao hospital. Lá o aguardavam ansiosos os pacientes, que, ao som do elevador, se aquietaram e apagaram as luzes, para pregar a surpresa. Intrigado, Ernesto adentrara no breu da ala leste, tomando grande susto quando, de repente, acendem e entoam a canção de parabéns. Dona Maria de Lourdes, com o bolo de cenoura que mandara a filha preparar, logo se achega ao parabenizado, estendendo-lhe a vela e exclamando que ‘’sabia, doutor, que o senhor viria’’. 
          Já lá na Associação Médica outro tanto acontecia: o bom doutor tinha sumido e, para a homenagem, - que coisa! – não tinham nenhum outro sequer para lhe substituir a altura.


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