18 de outubro, dia do médico. E, a contra gosto,
Ernesto Pereira fora dispensado da sua diligência diária. Como se fosse
dia 1 maio, outorgaram-lhe folga para que tomasse, enfim, merecido descanso.
Precisava estar muito bem apresentável, alegou o diretor médico do hospital,
afinal tinha homenagem a receber esta noite na nobre Associação Médica. Seria
esse, aliás, evento muito pomposo, sem economias de comes, de bebes e, claro,
de bajulação. Já esperando por isso, Ernesto relutava em comparecer, muito
humilde que era. Mas tanto insistiram os presidentes da instituição, dizendo da
importância da data, sobretudo num tempo de desprestígio da figura médica, que
o clínico acabou por ceder aos caprichos. Passara, então, o dia
todo inquieto, sem saber o que fazer sem pacientes que cuidar; os quais,
por sua vez, estranhando a ausência do bom doutor, que sempre lhes dedicava um
dedo de prosa cotidiano, tiveram tempo para atinar, ora, que aquele dia era dia
do médico. Dona Maria de Lourdes, muito espirituosa que era, se apressou em
dizer, assim, que tal dia não podia passar em branco, e convocou a ala leste a
preparar alguma coisinha para o querido Doutor Ernesto Pereira, que, se não
pôde vir pela manhã, certamente lhes visitaria a noite. Mas, à noite, estava
seu Ernesto na Associação Médica, deslocado como um quadril em Ortolani
positivo, numa festa glamorosa que não lhe combinava. Tanto que, numa
roda de conversa, em que jovens médicos gabavam a modernidade dos métodos
complementares, Ernesto muito desgostoso arrumara jeito de escapulir, deixando
os colegas enganados nas suas conversas tecnológicas. Saíra à francesa e,
com um aperto no coração, pela ausência injustificada para com seus doentes,
recobrou sua vontade e, sim, voltara ao hospital. Lá o aguardavam ansiosos os
pacientes, que, ao som do elevador, se aquietaram e apagaram as luzes, para
pregar a surpresa. Intrigado, Ernesto adentrara no breu da ala leste, tomando
grande susto quando, de repente, acendem e entoam a canção de parabéns. Dona
Maria de Lourdes, com o bolo de cenoura que mandara a filha preparar, logo se
achega ao parabenizado, estendendo-lhe a vela e exclamando que ‘’sabia, doutor,
que o senhor viria’’.
Já lá na Associação
Médica outro tanto acontecia: o bom doutor tinha sumido e, para a homenagem, -
que coisa! – não tinham nenhum outro sequer para lhe substituir a altura.
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