quinta-feira, 11 de julho de 2013

Azeitoma



Conto certificado como Terceiro lugar no Concurso cultural do II Congresso da SAMMG
      

            De uma hipermnésia de fixação fantástica, Gabriel Magalhães fora sempre um estudante distintamente avaliado com as melhores notas do nosso curso de medicina. Entretanto, nada afeito aos pacientes, Gabriel era também distintamente casmurro. Para ele, a relação médico-paciente não passava de um despropósito, um desperdício do seu precioso tempo, que aplicava sempre a se ensimesmar. Não por outro motivo que, por fim, se formara patologista, afinal assim não precisaria, ao seu modo de pensar, trocar palavra sequer com os doentes.

            E foi nesse sentido que se trancafiara no subsolo do Hospital Escola, destrinchando doenças as mais escabrosas. Só saiu à luz precisamente hoje, depois de biopsiar algo muito estranho, alardeando a toda comunidade médica que descobria – Eureca! - um novo tipo morfológico de câncer. Tal feito, maquinava, certamente o alçaria às altas posições que desde há muito aspirava nos seus delírios recônditos de grandeza, e por isso se apressou logo em apresentar o caso aos colegas locais, no salão nobre de nosso hospital.

            Pois bem, todo pomposo, Gabriel demonstrava suas lâminas aos curiosos médicos, que, interrogativos, se perguntavam: Que câncer seria esse, afinal? Enquanto isso, aos moldes catedráticos, ao lado, jazia o doente internado, ignoradamente sôfrego numa maca.

            E eis que nessa cena, cá do meu ângulo crítico, pude ver se achegar timidamente uma miúda estudante, aproximando-se do leito do doente, que até então só conhecíamos por C.E. Essa estudante, no entanto, lhe perguntou o nome, quis saber das suas moléstias e dos seus desesperos. Acalentou-lhe. E conversa vai, conversa vem, consegue então saber de Carlos Eduardo: “desde a janta na casa de minha irmã, com sua famosa maionese de azeitona, que ando mal desse jeito, doutora”.

            Muito perspicaz, pergunta a pequena aspirante à doutora: ‘’Tinha caroço, seu Carlos Eduardo?’’...Acompanhante de seu raciocínio, que logo afigurava um caroço impactado e estacionado num divertículo intestinal , não me aguentei: gritei lá do canto onde observava esse quadro, ao mesmo tempo esdrúxulo e tocante: ‘’Ora, esse câncer é um azeitoma!’