quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Romantismo realista

DAS UTOPIAS
Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mario Quintana - Espelho Mágico

Acredito, ou quero acreditar, que todos quantos são os estudantes de medicina tiveram na gênese de seu desejo de formação um bocado de altruísmo. Ainda que secundária ou subjacente, fato é que pulsa em cada um de nós uma vontade de curar, de ajudar o próximo no seu mal momento de saúde. E isso eu o sei porque comigo não foi diferente. Aliás, lembro-me que foi justamente esse sentimento que mais me motivou nos desalentadores tempos de cursinho pré-vestibular. Mas, agora, cá na Faculdade de Medicina, percebo que tão logo vamos nos acostumando aos seus corredores gélidos, esse quê de romantismo como que nos esvai dos corações, drenado imperceptivelmente por uma força imperiosa de urgência e de tecnicismo. E, o que é pior, quando nos damos conta disso é tarde o suficiente para nos estranharmos com nós mesmos, em uma autocrítica que, para o bem ou para o mal, tenta se inocentar na figura da inexorável universidade e do seu modo anacrônico de ensinar as coisas. Mas, bem, será que realmente nossos caminhos estão traçados pelo determinismo dessa pedagogia canhestra? Será que realmente não dá para fazer diferente, todos temos de matar o idealismo para, nesse mundo, sermos médicos? Penso que não. Isso seria um desperdício. Isso seria, particularmente, um suicídio. E é por isso que procuro maneiras de resignificar a situação, de modo a poder, quem sabe, abstrair dessa realidade pungente uma possibilidade melhor, mas nem por isso menos factível, afinal não cabe ingenuidade nesse meio voraz. Assim, não se trata, aqui, de tentar mudar o que não está ao nosso alcance, sabemos perfeitamente que as decisões últimas sobre o modus operandi da faculdade cabem aos senhores reitores e ao corpo docente, que um dia quiçá chegaram à conclusão e à ação mais acertada. Mas, ao contrário, enquanto o futuro não chega, tratar de mudar prontamente o que está ao nosso alcance, que é, enfim, o nossa próprio modo de pensar à revelia do que persistentemente nos inculcam. Ou seja, lucidez! Nesse ponto, imagino que vocês devem estar ansiosamente se perguntando, como? Ora, simples: é o velho e bom ditado, unir o útil ao agradável. Se a promiscuidade por créditos foi instaurada, que busquemos ao menos nos dar ao que temos mais prazer. E qual não é o prazer dum paciente grato por uma simples atenção a mais, duma mãe primeiramente desesperada que se acalenta pelo apaziguamento médico, dum velho senhor que tem sua carência saciada por um dedo de proza. E para que essas experiências sejam possíveis, e também seja possível fruir delas, é preciso que tenhamos em nós o humanismo. E se o humanismo não sobrevém de onde devia brotar, é hora de buscá-lo por nossa conta e risco. E ele, por sorte, está em toda parte, basta ter olhos para ver. Quantas são as entidades assistenciais que podemos trabalhar como voluntários; quantos são os livros, já empoeirados, que podemos locar para nos espelharmos em exemplos louváveis; quantas são as vias de escape nas artes em geral para nos comover o espírito, quantos são os pacientes carentes de um ouvido mais acalentador que aguardam somente a iniciativa médica...Mas, esse é o momento que as coisas descambam para o velho retruque: não há tempo e espaço para semelhantes coisas, os estudos nos absorvem! Ora, minha tréplica: ambas as coisas não são mutuamente excludentes. Muito pelo contrário, há entre eles certa retroalimentação positiva. Afinal que fim teria seus estudos sem um objetivo de humanismo, e que meio teria seu humanismo se a técnica não lhe alicerçasse? Além do mais, inclusive para os fins pragmáticos de bem estar, garantidos obviamente pelo poder do capital, a prática humanista também é válida, pois que a clientela de pacientes se faz de boca a boca, que será tanto melhor quanto mais humanamente se cativar as pessoas. Então, o que nos fica é a seguinte analogia: não é preciso viver nas nuvens para sonhar, podemos continuar com os pés no chão e simplesmente olhar para cima.