
Conto certificado como Terceiro lugar no Concurso cultural do II Congresso da SAMMG
De
uma hipermnésia de fixação fantástica, Gabriel Magalhães fora sempre um
estudante distintamente avaliado com as melhores notas do nosso curso de
medicina. Entretanto, nada afeito aos pacientes, Gabriel era também
distintamente casmurro. Para ele, a relação médico-paciente não passava de um
despropósito, um desperdício do seu precioso tempo, que aplicava sempre a se
ensimesmar. Não por outro motivo que, por fim, se formara patologista, afinal
assim não precisaria, ao seu modo de pensar, trocar palavra sequer com os doentes.
E foi
nesse sentido que se trancafiara no subsolo do Hospital Escola, destrinchando
doenças as mais escabrosas. Só saiu à luz precisamente hoje, depois de biopsiar
algo muito estranho, alardeando a toda comunidade médica que descobria –
Eureca! - um novo tipo morfológico de câncer. Tal feito, maquinava, certamente
o alçaria às altas posições que desde há muito aspirava nos seus delírios
recônditos de grandeza, e por isso se apressou logo em apresentar o caso aos
colegas locais, no salão nobre de nosso hospital.
Pois
bem, todo pomposo, Gabriel demonstrava suas lâminas aos curiosos médicos, que, interrogativos,
se perguntavam: Que câncer seria esse, afinal? Enquanto isso, aos moldes
catedráticos, ao lado, jazia o doente internado, ignoradamente sôfrego numa
maca.
E eis
que nessa cena, cá do meu ângulo crítico, pude ver se achegar timidamente uma
miúda estudante, aproximando-se do leito do doente, que até então só
conhecíamos por C.E. Essa estudante, no entanto, lhe perguntou o nome, quis
saber das suas moléstias e dos seus desesperos. Acalentou-lhe. E conversa vai, conversa
vem, consegue então saber de Carlos Eduardo: “desde a janta na casa de minha
irmã, com sua famosa maionese de azeitona, que ando mal desse jeito, doutora”.
Muito
perspicaz, pergunta a pequena aspirante à doutora: ‘’Tinha caroço, seu Carlos
Eduardo?’’...Acompanhante de seu raciocínio, que logo afigurava um caroço impactado
e estacionado num divertículo intestinal , não me aguentei: gritei lá do canto
onde observava esse quadro, ao mesmo tempo esdrúxulo e tocante: ‘’Ora, esse
câncer é um azeitoma!’